Existe um segmento do mercado especializado em investigar o passado e a veracidade de informações em currículos de candidatos a vagas de emprego – é o “background check”, em tradução livre, algo como “checagem de antecedentes”.
Empresas dedicadas ao serviço se valem desde telefonemas à inteligência artificial para checar, por exemplo, se um possível funcionário realmente tem aquele diploma universitário ou comandou uma equipe do tamanho que diz no currículo. Normalmente, elas prestam o serviço para outras companhias, aquelas que estão recrutando.
No Brasil, empresários do setor falam em crescente demanda e oferta deste serviço – mas, não à tôa, ele costuma ainda ser referido com o nome em inglês. É que, por aqui, trata-se uma prática ainda relativamente nova e desconhecida – diferente dos Estados Unidos, apontado por representantes do segmento como referência neste mercado.
“Nos primórdios, nos EUA, o background check tinha como clientes grandes empresas com contratos com o governo, que precisavam se certificar de que as pessoas contratadas para cuidar de projetos estratégicos tinham boa reputação, de que não tinham envolvimento em casos criminais. Ao longo do tempo, essa checagem se ampliou e passou a envolver não só cargos executivos mas também gerentes e analistas”, explica Carlos Lopes, diretor de investigação e gestão de risco na Kroll, consultoria multinacional que também oferece o background check no Brasil.
O mercado americano apresenta diferentes tipos de serviço, desde opções low cost (custo reduzido) de varredura online para cargos de salários mais baixos – nestes casos, a empresa contratada poderá fazer uma pesquisa virtual, mirando por exemplo posts ofensivos nas redes sociais do candidato e fazendo buscas no Google.
Para postos mais altos, a busca vai de contatos com universidades mencionadas nos currículo a uma análise do histórico financeiro do postulante. Algumas empresas oferecem até, como parte de um serviço premium, contatos telefônicos e pessoais com a polícia local, como delegados, com o objetivo de investigar o passado criminal e comportamental do candidato.
Os EUA têm ainda legislação específica para regular a checagem e suas universidades, departamentos dedicados a confirmar a formação de pessoas que dizem ser detentoras de seus diplomas, como Harvard e Berkeley.
No caso do Reino Unido, há inclusive um banco unificado de verificação de diplomas universitários – o Hedd, financiado pelo governo.
Segundo Lopes, uma verificação destas é mais difícil no Brasil, onde “os dados são muito mais descentralizados”. A reportagem encontrou duas universidades brasileiras que disponibilizam plataformas online para checagem de diplomas: a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Presbiteriana Mackenzie.
As informações falsas mais comuns nos currículos
O diretor na Kroll diz preferir falar mais em “exageros” do que “mentiras” – como candidatos que dizem ter diplomas de formações que na verdade só começaram ou que transformam cursos de curta duração em pós-graduação.
“Tem também aqueles que exageram nos cargos e responsabilidade que tiveram”, conta Lopes, segundo o qual o serviço de background check da Kroll cresce 20% ao ano no Brasil desde 2013, em número de relatórios produzidos.
Dados quantitativos sobre o assunto também vêm dos EUA – uma pesquisa do site de recrutamento CareerBuilder de 2015, com cerca de 2.500 recrutadores e coordenadores de recursos humanos, mostrou que 56% deles já identificaram uma mentira em algum currículo. Segundo os entrevistados, as distorções mais comuns foram na apresentação de habilidades (62%), responsabilidades (54%), períodos de emprego (39%), títulos dos cargos (31%) e títulos acadêmicos (28%).
Lopes diz que, no Brasil, casos recentes de personalidades e políticos cuja formação apresentada publicamente estava incorreta “exemplificam porque é tão importante fazer o background check”. Em maio, jornais brasileiros revelaram que formações na Universidade Harvard, exibidos nos currículos de governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, e da química Joana D’Arc Félix de Sousa, não haviam sido de fato obtidas por eles.
Witzel defendeu-se nas redes sociais afirmando que planejou estudar em Harvard no doutorado, colocou esta informação no currículo Lattes mas teve o plano interrompido por sua eleição ao governo estadual. Já Sousa afirmou que um diploma de Harvard enviado ao jornal Estado de São Paulo, e que provou-se falso, foi feito para uma encenação de teatro – algo que ela diz ter esquecido de avisar ao jornalista.
Impacto da Lava Jato
Mas o executivo da Kroll acredita que é outra parte do noticiário que justifica o impulsionamento do mercado: escândalos de corrupção, representados principalmente pela Operação Lava Jato.
Isto porque, além de checar a trajetória acadêmica e profissional, um pacote de background check pode rastrear também a situação jurídica e criminal de uma pessoa, a manifestação de opiniões discriminatórias nas redes sociais e mesmo filiação e participação política. Tudo, segundo os empresários, a partir de dados públicos e respeitando leis sobre privacidade.
“Faz parte da onda de compliance (palavra em inglês que significa ‘conformidade’ e indica mecanismos internos de companhias para cumprimento da lei) que o Brasil está vivendo. A Lei Anticorrupção, de 2013, a Lava Jato, tudo isso fez aumentar a preocupação das empresas com sua reputação”, explica.
“No começo, os clientes eram dos segmentos mais sensíveis, como na área financeira, e de multinacionais. Hoje, já vemos mais empresas nacionais e de médio e até pequeno porte em busca de prestadoras de serviço na área de consultoria de risco”.
Mas há também serviços de background check sendo oferecidos entre as startups, como a InovaMind, especializada em inteligência artificial. Neste caso, o processo é todo digital, como pode se supor – foi desenvolvida uma plataforma de busca com bancos de dados de 150 fontes diferentes, como da Receita Federal e de alguns conselhos profissionais, como de médicos e advogados.
“O background check era feito de forma manual, era caro, por isso só grandes empresas faziam. Com a tecnologia, queremos chegar às micro e pequenas empresas, para quem o impacto de uma má contratação é maior”, explica Jung Park, CEO da InovaMind, em que o serviço de background check compõe 80% do faturamento da empresa.
“Hoje, um background completo custa cerca de R$ 500 por candidato; queremos aprimorar a ferramenta para ela chegar a R$ 14, R$ 15”.
O candidato deve saber que está sendo ‘rastreado’?
Outra coisa que ainda está para mudar no Brasil, segundo Park e Lopes, é o costume do brasileiro em relação ao serviço.
“Nos Estados Unidos, a prática é o recrutador avisar ao candidato que fará o background check. Aqui no Brasil, a maioria não avisa. Lá eles já têm uma cultura da transparência, enquanto no Brasil temos um nome pejorativo pra buscas do tipo: ‘puxar a capivara'”, brinca Park.
Mas, na verdade, mais do que a prática, notificar o candidato é algo exigido pela lei americana em alguns casos – como na checagem do histórico financeiro, incluindo por exemplo registros de empréstimos e dívidas. Nesse caso, o candidato tem direito também a acessar e contestar informações levantadas.
No Brasil, não há uma legislação específica sobre o tema, mas algumas práticas do background check podem esbarrar na Constituição se enquadradas como discriminatórias.
A entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados em 2020 também deverá afetar diretamente estas empresas, já que elas lidam com dados pessoais dos indivíduos – o foco da legislação, segundo explica Camilla Jimene, advogada e sócia do escritório Opice Blum e professora em direito digital na LEC Legal, Ethics e Compliance, grupo brasileiro que organiza cursos e eventos sobre programas de conformidade no mundo corporativo.
A nova lei define por exemplo o que são dados pessoais sensíveis, como aqueles referentes à vida sexual e à genética; e delineia princípios fundamentais, como o direito ao acesso e ao consentimento das pessoas sobre seus dados.
Assim, para as empresas de background checking no Brasil, poderá tornar-se necessário ampliar a transparência de sua atuação para candidatos, com procedimentos como a notificação e o consentimento desta checagem. Conforme previsto pela lei para companhias que lidam com informações do tipo, aquelas que oferecem o background checking deverão ter também um funcionário dedicado à proteção de dados – em inglês, função chamada de data protection officer (DPO).
As empresas terão ainda maior responsabilidade no armazenamento e uso de informações de terceiros, passíveis de punição em caso de alguma irregularidade.
“Alguns tipos de dados poderão ficar mais difíceis de serem acessados, mas para isso teremos que ver os casos concretos. Fato é que as empresas terão que se adequar até 2020”, explica Jimene.
Regras mais detalhadas deverão surgir a partir da atuação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, uma espécie de agência reguladora na área a ser criada.
Além da lei que entrará em vigor, em 2017, uma decisão do Tribunal Superior do Trabalho já havia formado jurisprudência especificamente para o caso do histórico criminal. O colegiado definiu que o empregador não pode exigir uma certidão negativa de antecedentes criminais para um candidato ou funcionário – com exceção de algumas atividades, como aquelas que envolvem o cuidado de crianças e idosos e o manejo de armas.